Corpo, moda e escravidão
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O corpo tem tido lugar de destaque nos temas da cultura. Nos últimos meses, a preocupação extrema com a magreza - e o risco dos transtornos alimentares, que podem levar à morte -- se tornou assunto freqüente na mídia. As discussões são renovadas com o início de mais uma edição da São Paulo Fashion Week, dia 24 de janeiro. Do ponto de vista histórico e social, no último século o domínio do corpo foi transferido da Igreja Católica para a biociência e associou-se no imaginário contemporâneo como um objeto maleável, mutante e passível de qualquer transformação. A medicina estética, com todas as suas "intervenções mágicas", técnicas de preenchimento, levantamento e esticamento, tenta vender a idéia de que "o corpo é o espelho da alma". Quanto mais jovem, saudável e "malhado", mais intimamente se está vinculado à idéia de sucesso e autocontrole.
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Numa época em que o domínio da imagem é imperioso, a cultura é permeada por ideais nem sempre atingíveis. Esse é o ponto no qual a moda se articula com o narcisismo e transmite sua mensagem: "É possível ser belo, glamouroso e escolher o próprio estilo". Vivemos um paradoxo. Há a ilusão de uma enorme oferta de possibilidades. Mas para aceder aos valores difundidos, é imprescindível submeter-se ao padrão da moda.
Numa época em que o domínio da imagem é imperioso, a cultura é permeada por ideais nem sempre atingíveis. Esse é o ponto no qual a moda se articula com o narcisismo e transmite sua mensagem: "É possível ser belo, glamouroso e escolher o próprio estilo". Vivemos um paradoxo. Há a ilusão de uma enorme oferta de possibilidades. Mas para aceder aos valores difundidos, é imprescindível submeter-se ao padrão da moda.
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Cria-se, assim, a idéia de um corpo servil, uma espécie de "corpo-escravo" que se submete a regras que funcionam como o "leito de Procusto" (cama de ferro onde, segundo a mitologia grega, o vilão estendia suas vítimas e cortava-lhes os pés para que coubessem ali).
Afinal, todos sabem: para ser modelo é preciso ser muito magra, muito alta e muito bonita. E ter estilo, é claro. Assim, é possível ser linda - e mais que isso: poderosa.
As regras rígidas da indústria da moda funcionam como ímã para algumas jovens com predisposição para desenvolver anorexia nervosa - em geral, são exigentes, extremamente disciplinadas e sensíveis ao olhar do outro.
Cria-se, assim, a idéia de um corpo servil, uma espécie de "corpo-escravo" que se submete a regras que funcionam como o "leito de Procusto" (cama de ferro onde, segundo a mitologia grega, o vilão estendia suas vítimas e cortava-lhes os pés para que coubessem ali).
Afinal, todos sabem: para ser modelo é preciso ser muito magra, muito alta e muito bonita. E ter estilo, é claro. Assim, é possível ser linda - e mais que isso: poderosa.
As regras rígidas da indústria da moda funcionam como ímã para algumas jovens com predisposição para desenvolver anorexia nervosa - em geral, são exigentes, extremamente disciplinadas e sensíveis ao olhar do outro.
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Estão sempre à procura de um ideal, não exatamente de beleza, mas de força e poder que as faça se sentir menos frágeis, vulneráveis e lhes dê a sensação de controle sobre sua vida. A combinação entre demandas externas e características de personalidade pode resultar numa combinação explosiva.
Estão sempre à procura de um ideal, não exatamente de beleza, mas de força e poder que as faça se sentir menos frágeis, vulneráveis e lhes dê a sensação de controle sobre sua vida. A combinação entre demandas externas e características de personalidade pode resultar numa combinação explosiva.
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O anoréxico hostiliza a falta, a imperfeição, a fragilidade. Busca, de alguma maneira, amenizar as angústias e frustrações inerentes à experiência humana. Nesse sentido, os discursos da moda da anorexia podem formar um par perfeito. E mortífero.
O anoréxico hostiliza a falta, a imperfeição, a fragilidade. Busca, de alguma maneira, amenizar as angústias e frustrações inerentes à experiência humana. Nesse sentido, os discursos da moda da anorexia podem formar um par perfeito. E mortífero.
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(Publicado na Revista Mente&Cerebro - janeiro 2007)
Alessandra Sapoznik é psicanalista, coordenadora do curso de atualização em transtornos alimentares da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do projeto de investigação e intervenção da clínica de anorexia e bulimia do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientia.
Angélica de Azevedo Claudino é psiquiatra e coordenadora do Programa de Orientação e Assistência a Pacientes com Transtornos Alimentares (Proata-Unifesp).
Alessandra Sapoznik é psicanalista, coordenadora do curso de atualização em transtornos alimentares da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do projeto de investigação e intervenção da clínica de anorexia e bulimia do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientia.
Angélica de Azevedo Claudino é psiquiatra e coordenadora do Programa de Orientação e Assistência a Pacientes com Transtornos Alimentares (Proata-Unifesp).
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